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Intrigas, impopularidade e corrupção rasgam imagem positiva vendida por Lula 42373

Na área da economia, há de fato indicadores positivos, como a expansão do PIB, mas o Brasil não anda às mil maravilhas como prega o mandatário 6yt6h

Por Daniel Pereira 7 jun 2025, 08h00

O presidente Lula tem um jeito peculiar de lidar com a realidade. Numa conversa com jornalistas no Palácio do Planalto, na terça-feira 3, ele afirmou que o governo está cumprindo o que prometeu, colhendo resultados promissores e guiando o país para um momento inédito de sucesso em sua história, no qual políticas de inclusão social são acompanhadas pelo crescimento do emprego e da renda. Sem citar qualquer um dos muitos problemas conhecidos, o petista ainda elogiou o ministério e se disse “feliz” e “exitoso”. “Todos os dados, todos, sem nenhuma distinção, são amplamente favoráveis ao nosso governo”, declarou. O mais otimista dos otimistas não teria ido tão longe. Na área da economia, há de fato indicadores positivos, como a expansão do produto interno bruto (PIB) acima da estimativa do mercado e a baixa taxa de desemprego, mas o Brasil não anda às mil maravilhas como prega o mandatário.

POLÊMICAS - Rui Costa: disputa renhida com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gera situações constrangedoras
POLÊMICAS - Rui Costa: disputa renhida com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, gera situações constrangedoras (Ton Molina/Fotoarena/.)

As contas públicas estão em frangalhos e a inflação continua acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central, que, em resposta a essa situação, viu-se obrigado a aumentar a taxa básica de juros para 14,75% ao ano. Na seara istrativa, projetos anunciados como prioritários tiveram execução tão ruim que o governo resolveu rebatizá-los e lançá-los novamente, como ocorreu na saúde. Outros temas sensíveis, inclusive a segurança pública, ainda não receberam a atenção devida da gestão petista. Na política, a desordem impera. Depois de dois anos de mandato, Lula não tem uma base de apoio consolidada no Congresso, sofre com traições em partidos supostamente aliados e precisa costurar acordos com a cúpula do Legislativo para aprovar projetos e impedir derrotas nas votações. Hoje, ele está cada vez mais refém da parceria com os comandantes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que muitas vezes cobram caro para ajudar. Dentro do governo, o quadro é ainda pior. Ministros vivem às turras, alimentam uma rede de intrigas e disputam poder nos bastidores, contribuindo de forma decisiva para a falta de coordenação e paralisia da máquina federal. Essa situação ocorre porque o presidente, que sempre gostou de estimular rivalidades entre seus auxiliares, abriu mão de arbitrar as disputas e definir o rumo a ser seguido, como fez em suas duas gestões anteriores.

RUÍDOS - Sidônio: anúncio de aumento do IOF não ou pelo crivo da Secom, como combinado
RUÍDOS - Sidônio: anúncio de aumento do IOF não ou pelo crivo da Secom, como combinado (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A novela sobre o decreto que aumentou o imposto sobre operações financeiras (IOF) ilustra bem a barafunda. Publicado no Diário Oficial da União em 22 de maio, o texto teve uma de suas partes revogada poucas horas depois, diante da repercussão negativa no mercado. Mesmo com o recuo parcial, parlamentares anunciaram a possibilidade de derrubar integralmente a iniciativa. Parceiro dileto de Lula em viagens internacionais, Alcolumbre, por exemplo, acusou o governo de tentar usurpar competência do Legislativo ao ampliar o tributo. A trapalhada estava apenas começando. Antes de rediscutir a questão, apresentar uma contraproposta e mostrar unidade em público, o que deveria ser prioridade, os governistas resolveram se lançar num novo embate fratricida, potencializando o desgaste. Os sinais trocados e as declarações contraditórias envolveram quatro ministros entre os mais poderosos, que tentaram transferir responsabilidades uns aos outros.

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NA CONTRAMÃO - Gleisi: ministra diverge sobre política econômica e tamanho do ajuste fiscal que deve ser proposto
NA CONTRAMÃO - Gleisi: ministra diverge sobre política econômica e tamanho do ajuste fiscal que deve ser proposto (Gabriel Paiva/PT na Câmara/.)

Interlocutores do chefe da Casa Civil, Rui Costa, espalharam a versão de que a pasta dele teve menos de 24 horas para analisar o texto do decreto do IOF, tempo insuficiente para detectar erros técnicos e evitar problemas de natureza política. Na prática, o capitão do time tentou lavar as mãos. Já Gleisi Hoffmann, ministra da Secretaria de Relações Institucionais e articuladora política do governo, disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não detalhou aos integrantes do governo e ao presidente Lula o decreto do IOF. Haddad ainda recebeu críticas nos bastidores do marqueteiro Sidônio Palmeira porque teria resistido a revogar uma parte do texto, o que só aceitou depois de muita insistência, e por supostamente não ter conversado com o ministro da Secretaria de Comunicação Social antes de divulgar a medida. Desde que assumiu o cargo, Sidônio prega que toda iniciativa oficial tem de considerar também seu impacto na opinião pública e na popularidade do governo e, portanto, ar pelo crivo dele, o que não teria ocorrido no caso. Essa regra tem inspiração na portaria da Receita que foi usada pela oposição para disseminar a falsa ideia de que o governo taxaria o Pix.

arte Lula

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Alvo preferencial das estocadas, Haddad até respondeu a Sidônio, afirmando, numa entrevista, que cabe ao presidente convocar “os ministros que ele considera pertinentes para o caso”. Os dois já tinham tido posições divergentes no fim do ano ado, quando o marqueteiro defendeu a estratégia, que prevaleceu no final, de divulgar junto com medidas de contenção de despesa a proposta de ampliação da isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 000 reais. Foi um tremendo tiro no pé porque o pacote, pensado por Haddad como uma tentativa de demonstração de austeridade, acabou sendo interpretado como um pretexto para Lula distribuir mais uma bondade no ano eleitoral de 2026. No rol de adversários de Haddad, Sidônio, no entanto, ocupa um papel lateral. O chefe da equipe econômica trava disputa renhida com Rui Costa e Gleisi Hoffmann, com os quais diverge sobre os rumos da política econômica e o tamanho do ajuste fiscal. Enquanto Haddad cogita iniciativas mais ambiciosas para tentar equilibrar as contas, os dois rivais protestam contra o que consideram “austericídio”. Não é só uma questão técnica ou de números e planilhas.

Os três ministros são considerados potenciais candidatos à Presidência quando Lula não disputar mais eleições. Cada um deles tem uma agenda própria no governo porque o governo, como um todo, não tem uma agenda definida. No Planalto, é cada um por si. Diante dos ruídos entre eles, o solícito e comedido Hugo Motta, quase sempre disposto a ajudar o governo, exortou o presidente a tomar pé da questão do IOF para que ela pudesse finalmente ser resolvida. O recado é claro: é preciso uma liderança para reunir a tropa, desenhar um plano de ação e definir o rumo a ser seguido. Isso não vale apenas para o caso do IOF. No fim de maio, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi atacada por parlamentares da base aliada e da oposição que querem tirá-la do cargo para acelerar a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o senador Davi Alcolumbre são entusiastas desse projeto, considerado por eles um bilhete premiado capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico do país. Já Marina prega cautela, análise cuidadosa dos impactos ambientais e autonomia do Ibama para tratar do tema.

'PERSONA NON GRATA' - Silveira: desentendimento com boa parte do Senado
‘PERSONA NON GRATA’ - Silveira: desentendimento com boa parte do Senado (Ton Molina/Fotoarena/.)
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As posições divergentes são conhecidas há tempos e perduram porque Lula, apesar de mostrar simpatia pela exploração do petróleo na região, não bate o martelo e define a posição do governo. Na conversa recente com os jornalistas, ele saiu em defesa de Marina, dizendo que confia 100% nela e que tudo o que ela faz debate previamente com ele. Perguntado sobre o projeto aprovado pelo Senado que afrouxa regras de licenciamento ambiental, o presidente disse desconhecer o mérito da proposta, que é criticada pela ministra. Pode ser verdade, como pode ser puro ato de malabarismo político. Um dos principais defensores do projeto sobre o licenciamento, como ocorre no caso da exploração de petróleo na foz do Amazonas, é o presidente do Senado, de quem Lula depende, por exemplo, para barrar a aprovação de anistia a Jair Bolsonaro. Ciente de seu poder e da fragilidade do presidente da República no Congresso, Alcolumbre frita Marina Silva e trabalha para demitir Alexandre Silveira, que chegou ao cargo com a bênção de senadores, desentendeu-se com boa parte deles e agora é persona non grata na Casa. Alcolumbre também lidera uma ofensiva para garantir aos colegas o direito de indicar nomes para as agências reguladoras de petróleo e de energia elétrica.

FRIGIDEIRA - Marina: atacada por parlamentares da base aliada e da oposição que querem tirá-la do cargo
FRIGIDEIRA - Marina: atacada por parlamentares da base aliada e da oposição que querem tirá-la do cargo (Ton Molina/Fotoarena/Agência O Globo/.)

Desnorteado, o governo vive sob pressão do Parlamento, de agentes econômicos e da opinião pública. Pesquisa Genial/Quaest, divulgada na quarta-feira 4, até mostrou estabilidade na popularidade da gestão Lula, mas num patamar recorde de rejeição. De acordo com o levantamento, ela é desaprovada por 57%, 1 ponto percentual a mais do que em março. Já a aprovação é de 40%, 1 ponto a menos do que na rodada anterior. As mudanças estão dentro da margem de erro de 2 pontos percentuais. Assim como Lula, Pangloss, o otimista incorrigível da literatura, diria que tudo está o melhor possível, já que — diante do escândalo do roubo de aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da volta da corrupção ao noticiário — os problemas de imagem poderiam ser ainda piores. Há, porém, quem seja mais realista e se preocupe com o fato de a popularidade não ter melhorado apesar de uma série de iniciativas, como o anúncio da desoneração do IR e o da isenção do pagamento da conta de luz para até 60 milhões de brasileiros, a um custo anual de 3,6 bilhões de reais. No fim de maio, o governo também anunciou o “Agora Tem Especialistas”, com o objetivo de ampliar o o da população a consultas, exames e cirurgias.

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Esse programa não é propriamente uma novidade, mas uma tentativa de tirar do papel um projeto que foi iniciado na gestão de Nísia Trindade no Ministério da Saúde e que, por falhas de execução, contribuiu para a demissão dela. Auxiliares do presidente alegam que os refrescos no IR e na conta de luz tendem a gerar retorno de imagem quando entrarem em vigor e aliviarem o orçamento familiar dos eleitores. Para recuperar terreno, Lula ainda prepara uma nova fornada de forte apelo popular, como o aumento do programa de distribuição de gás de cozinha e uma linha de crédito especial para quem quer reformar um imóvel. Atento a nichos específicos, o presidente declarou que as novas concessões rodoviárias incluirão a obrigatoriedade de construção de abrigos nos quais os caminhoneiros, considerados durante um bom tempo aliados de Bolsonaro, poderão descansar em segurança. O objetivo de tanto empenho é conhecido: fortalecer uma eventual candidatura à reeleição em 2026.

ELEIÇÃO - Tarcísio: empate técnico com o presidente numa eventual disputa
ELEIÇÃO - Tarcísio: empate técnico com o presidente numa eventual disputa (Pablo Jacob/governo do estado de sp/.)

Há poucos dias, ao participar de um congresso do PSB, o presidente declarou estar preparado para a disputa eleitoral: “Se eu estiver bonitão do jeito que estou, apaixonado do jeito que estou e motivado do jeito que estou, a extrema direita não volta a governar este país nunca mais”. Não é tão simples assim. Pesquisa Genial/Quaest, divulgada na quinta-feira 5, mostra Lula em situação de empate técnico, nas simulações de segundo turno, com os principais nomes cotados para representar a direita no páreo. Numa hipotética e improvável revanche com Jair Bolsonaro, que está inelegível e ameaçado de prisão, os dois marcariam 41%. Num eventual embate com o governador paulista Tarcísio de Freitas, o presidente ficaria à frente por uma margem mínima, de 41% a 40%. Contra Michelle Bolsonaro e o governador Ratinho Junior, os placares seriam favoráveis ao mandatário, 43% a 39% e 40% a 38%, respectivamente, mas com a vantagem do petista dentro da margem de erro, de 2 pontos percentuais. Com um governo disfuncional, consumido por brigas internas, sem marcas consolidadas e desaprovado pela maioria do eleitorado, Lula sabe que pode ser derrotado em 2026 e que o povo, como ele mesmo disse aos jornalistas, pode mandá-lo de volta para casa. Por isso, o esforço é para recuperar terreno a tempo — custe o que custar.

Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947

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