O que é solarpunk, o movimento de arquitetos que ganha força pelo mundo 43x3c
Tendência pretende integrar as grandes cidades à natureza com o uso intensivo de tecnologia 3a7029

Tome-se como um manifesto verde. Entre os enormes desafios que as mudanças climáticas impõem para o futuro da humanidade, a reforma das grandes cidades é uma das medidas mais urgentes. Ao concentrar mais da metade da população mundial, os centros urbanos são os principais emissores de gases que contribuem para o aquecimento global, em permanente demanda de recursos naturais e energia em escala sem precedentes. O cenário, um tanto desolador, costuma inspirar visões catastróficas dos tempos vindouros. Há, contudo, um interessante movimento que não para de ganhar adeptos: é o chamado solarpunk, de arquitetos e urbanistas que buscam quebrar o ciclo de pessimismo, desenvolvendo construções tecnológicas e criativas para assegurar a qualidade de vida em meio a tanto concreto e asfalto.

O termo surgiu em 2008, emprestado de um subgênero da literatura de ficção científica que se opõe ao badalado cyberpunk. Agora, contudo, eis a novidade, deixou o campo das ideias e dos desenhos para virar realidade. O solarpunk, como indica o nome, bebe da natureza e a ela aplica tecnologia. O cyber, por seu lado, vai de robôs e traquitanas eletrônicas. Aplicada a projetos de arranha-céus de algumas metrópoles do planeta, a onda verde ganha o contorno de edificações sustentáveis, debruçadas e embebidas em árvores e campos. Abrem-se espaços compartilhados para o uso racional de água e de eletricidade. “A ideia é construir visões possíveis de um planeta diferente deste em que estamos vivendo”, diz Fernando Viégas, arquiteto e professor da Escola da Cidade, de São Paulo.
Um dos principais cartões-postais do movimento são as florestas verticais, que, aos poucos, vão se multiplicando pelo mundo. Diante da impossibilidade de construir parques e praças em áreas altamente adensadas, o jeito foi levar as árvores para os edifícios. É o caso do Bosco Verticale, desenvolvido em Milão, na Itália. Seus terraços com charmosos vasos concentram árvores, arbustos e plantas rasteiras que correspondem a uma mata de 2 hectares. Além de possibilitar o contato com a natureza para moradores de apartamentos, a vegetação captura carbono e ajuda a manter a temperatura nas áreas internas até 3 graus mais baixa que a do ambiente, economizando o uso de ar-condicionado durante o verão. “As cidades, que são em grande parte responsáveis pelos problemas das alterações climáticas, têm a oportunidade de se tornarem parte integrante da sua própria solução”, decreta Stefano Boeri, o arquiteto responsável pelo projeto, porta-voz badalado do solarpunk. O escritório já construiu prédios semelhantes em Nanjing, na China, e tem diversos projetos para outras cidades no Oriente e no Ocidente.

O solarpunk ganha escala em cidades que se esmeram para virar oásis, enquanto os termômetros disparam. Almere, na Holanda, transformou sua paisagem ao oferecer um bairro inteiro para que 1 500 autoconstrutores criassem residências personalizadas, entre avenidas arborizadas, parques e vias navegáveis. Em uma área destinada a imóveis mais altos, foram realizados projetos sem fundações, já que o município foi erguido sobre o aterro de um braço de mar. Nos Emirados Árabes Unidos, a cidade planejada de Masdar trouxe novos parâmetros às construções. Ancoradas em estruturas de alumínio reciclado e cimento de baixo carbono, elas receberam design capaz de aplacar o clima desértico, com janelas de vidros grossos e sistema de refrigeração que aproveita os abundantes ventos da região. Parques e ruas arborizadas, irrigados com água dessalinizada, ajudam a manter o ar até dez graus mais fresco que no centro de Abu Dhabi. Por ora, contudo, a instalação de painéis solares para abastecer o complexo é insuficiente. Masdar ainda depende das poluidoras termoelétricas, movidas por petróleo e gás.
No Brasil, o solarpunk ainda engatinha, mas alguns projetos começam a colaborar para que a versão doméstica do movimento deixe de ser mera utopia. O arquiteto Guto Requena ainda busca uma construtora para apostar em uma versão tupiniquim de floresta vertical. Apelidado de Terra, o edifício abusa do conceito de biofilia — “amor às coisas vivas”, em grego —, que busca unir o bem-estar proporcionado pela natureza ao cotidiano dos moradores. “Abandonei o concreto e trabalho, hoje, exclusivamente com madeira engenheirada, uma tecnologia livre de pegada de carbono”, afirma Requena. Que o verde invada, cada vez mais, a selva de pedra. As imagens deste mundo ainda soam como ficção científica — mas são reais.
Publicado em VEJA de 6 de junho de 2025, edição nº 2947